O SENSACIONALISMO midiático com as comunidades ciganas no Brasil: um caso de polícia?

Na última semana e ao longo desta, uma pauta tem despertado amplo interesse da imprensa e de boa parte dos consumidores de notícias policiais: o caso de uma jovem cigana que teve a vida interrompida por feminicídio. O machismo está longe de ser uma questão exclusivo de nossas etnias. Muito pelo contrário, afinal, quantas vezes um terror dessa natureza envolvendo nosso povo esteve na TV ou mídia?

Acontece que, além de projetar luz para o fato de que tem envolvimento de pessoas ciganas, os noticiários destacam as idades de 14 anos de ambos os envolvidos, como um fator-causa do triste episódio. Em nome da audiência, dos likes, acessos, que movimentam um ecossistema financeiro enorme dimensão, criticam essa tradição de uma forma racista, sem qualquer reflexão, transformando-a em um verdadeiro deleite das grandiosas, médias e pequenas mídias, das redes sociais todas e da contribuição popular, em nome da “incredulidade e estarrecimento”, disseminando uma série de preconceitos e estereótipos, usando de uma ocorrência execrável e isolada.

A notícia do assassinato dessa jovem cigana, virou um espetáculo da vida real, ainda mais assistido após uma famosa e questionável autora de novelas meter o bedelho. Autora essa que só se refere a nós para alimentar tudo aquilo que combatemos. Quer seja a novela de sua autoria ou as personagens, que vez ou outra, ela acrescenta nas tramas delirantes, tudo converge em malefício de nossos povos. Além de incentivar a disseminação do fato, ainda em investigação e estimular a confabulação de fake news, a atitude dela, que em nada difere das milhares de outras tantas pessoas preconceituosas, provocam um oceano inteiro de lágrimas, amplificando ainda mais as dores das famílias da jovem e de todas as famílias ciganas, excluídas, perseguidas e violentadas secularmente pela sociedade não-cigana.

Tivemos que ser expectadores de uma tragédia que atingiu uma comunidade cigana no interior da Bahia e o assassinato de uma filha dentro de um casamento em que o marido, atuou conforme as linhas do patriarcado e machismo. Como nos lembra a ativista e atriz cigana portuguesa, Maria Gil, “o patriarcado cigano, como todas as comunidades ciganas de uma forma geral, encontra-se entrecruzado pelas conjunturas de marginalidade, subalternidade e exclusão social”.

Mas não é sobre esse caso em si que queremos externar a nossa indignação e repúdio. Reiteramos nossa indignação com esta forma de representação discriminatória, pois basta abrir os jornais, Instagram, Twitter e Tik Tok e haverá muitas linhas e teorias sobre essa tragédia, de uma forma tão minuciosa, que poucos casos tomam tanto "interesse". Não é a primeiro, nem o último caso em que comunidades ciganas viram protagonistas principais da pauta da violência no Brasil. Estamos acostumados a sermos fortemente associados a essa questão. Fica parecendo que a violência faz parte da nossa "natureza".   Por que tanto sensacionalismo e interesse midiático em noticiar somente nossas tragédias?  No Brasil há um linchamento por dia, o populismo penal midiático e o sensacionalismo são um duplo problema.

Muito temos discutido sobre a espetacularização da criminalidade pelos meios de comunicação de massa e sobre as consequências dessa exploração do crime nas comunidades ciganas, que cria uma falsa representação do crime, por meio da teatralização dos fatos e do reducionismo, corroborando com mais poluição do imaginário popular quando se trata dos povos ciganos brasileiros, a partir da distorção de informações, que têm por base algumas das tradições ciganas... Será que essa midiatização tem a ver com a violência ser sempre algo que vivemos respondendo a pessoas não-ciganas?

Você, leitor/a, já assistiu nos jornais de televisão ou teve acesso a alguma reportagem relacionada aos povos ciganos que não fosse nas páginas policiais? Longe de querer demonizar a mídia e os meios de comunicação, mas o uso que tem sido feito delas em maleficio das comunidades ciganas vem atravessando os tempos e contribuindo fortemente para que hoje tenhamos esse cenário midiático e representações equivocadas que não falam sobre nós, senão da própria visão daqueles que as constroem. Visões essas que permanecem imersas no mais profundo desconhecimento das nossas tradições, no submundo onde só interessa o nosso sangue derramado. Não há consideração pela dor. Não se lamenta pela vida, mas pela forma e pela permanência de tradições que suspostamente sustentam os casos de violência.

Assim, o coletivo CIGANAGENS repudia veementemente as abordagens da imprensa brasileira neste caso, pois acreditamos que é o fato de serem ciganos, com tradições e culturas distintas, o motivador de tanto ódio, desrespeito, racismo e violências contra nós e nossas existências.

Basta! Não compartilhem vídeos, textos, fotos e matérias que agridem a memória de quem não mais está aqui para se defender. E antes de comentar, opinar e destilar todo tipo de preconceito e violência, pense, repense e imagine: se fosse com você? Com sua família? Com sua irmã? Faria o mesmo? Ao contrário do que se pensa, não estamos alheios às tecnologias e acessamos muito a todo esse arcabouço repugnante que torna algo, que já é terrível, muito pior.

 

COLETIVO CIGANAGENS 

@ciganagens

Brasil, 12 de julho de 2023.

 

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